terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

STF deve revisar Lei da Anistia, diz juiz

ISABEL FLECK - ENVIADA ESPECIAL A SAN JOSÉ

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O vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o brasileiro Roberto Caldas, acredita ser apenas "uma questão de tempo" até que o STF (Supremo Tribunal Federal) decida revisar a Lei da Anistia, de 1979, neste ano.
Para o magistrado, é evidente que a formação da geração de juízes que está à frente do tribunal "teve uma carência em direitos humanos" –o que justificaria a decisão dos ministros, em abril de 2010, de não revisar a lei.
Ele, contudo, destaca um "avanço significativo" desde então no entendimento, por parte do STF, do trabalho da Corte Interamericana, que condenou o Estado brasileiro, em novembro de 2010, pelo desaparecimento de 62 pessoas durante a guerrilha do Araguaia (1972-74) e questionou a aplicação da anistia a crimes "imprescritíveis".
Divulgação
Roberto Caldas, vice-presidente da Corte Interamericana
Roberto Caldas, vice-presidente da Corte Interamericana
"O Supremo é muito qualificado, porém a formação das gerações de juízes teve uma carência de direitos humanos, na qual eu me incluo", disse Caldas em entrevista à Folha, em San José.
"Agora houve um avanço significativo nesse conhecimento do próprio tratado, do papel da Corte e creio que será natural o julgamento do Supremo levar em conta a decisão [de 2010] da Corte Interamericana", completou.
O otimismo de Caldas se deve à ação ajuizada no STF pelo PSOL em maio passado, na qual o partido contesta a aplicação da Lei da Anistia a agentes públicos que cometeram graves violações de direitos humanos na ditadura.
Para o juiz, esta é a primeira vez, em mais de quatro anos, que o STF "tem a chance de se debruçar plenamente" sobre a revisão, que abriria caminho para o cumprimento da sentença da Corte.
"A Lei da Anistia ficou desbalanceada porque se aplicou de uma maneira geral [para todos os crimes] para os agentes do Estado", disse.
A ação está sob análise do relator, Luiz Fux. Não há previsão de quando será votada.
Apesar do otimismo do magistrado, dos dez atuais ministros do STF, quatro recusaram em 2010 a revisão da Lei de Anistia (Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello), e apenas um votou a favor: Ricardo Lewandowski.
Em outubro passado, a Corte Interamericana emitiu nova resolução na qual cobra o Estado brasileiro por não cumprir a sentença de 2010 para punir os responsáveis por desaparecimentos forçados durante a Guerrilha do Araguaia. O tribunal dá um prazo até março para que o país explique o que está fazendo para aplicar a decisão.
Há uma discussão sobre se a sentença da Corte Interamericana está acima da decisão do STF de manter a anistia a agentes do Estado.
Para Caldas, é muito claro que a decisão final sobre este tema é de seu tribunal –e o Brasil, sendo signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que criou a Corte, está ciente disso.
"A Corte Interamericana é a intérprete última da Convenção Americana, que deve prevalecer em relação a todas as leis, inclusive às Constituições dos países."

Apesar de elogiar o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que pede a revogação da Lei da Anistia, ele diz que "o que importa" é a sentença da Corte, "obrigatória" para o governo. E acrescenta: "Há maturidade nas instituições militares para passar essa página da história. As Forças Armadas não podem ficar reféns de crimes graves de alguns de seus componentes". 

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Procuradoria acha carcereiro da Casa da Morte

Comissão da Verdade do Rio quer tomar depoimento de 'Camarão', que estava no Ceará

ADRIANO BARCELOSDO RIO
Identificado e ouvido pelo Ministério Público Federal no último fim de semana em Fortaleza, o carcereiro da Casa da Morte de Petrópolis, na região serrana do Rio, deverá prestar depoimento também para a Comissão Estadual da Verdade fluminense.
"O que se sabe é que havia um revezamento das equipes que atuavam na Casa da Morte. Ele (Lima) seria o único quadro permanente do local. É um arquivo vivo, que viu e ouviu tudo", disse o presidente da Comissão Estadual da Verdade, Wadih Damous.
Antônio Waneir Pinheiro Lima, de 71 anos, é soldado reformado do Exército e tomava conta dos presos políticos que eram encaminhados para as instalações militares chamadas de CIE (Centro de Informações do Exército).
O CIE constituiu-se em um dos mais sanguinários centros de tortura e execução de detentos estabelecidos pelo regime militar brasileiro (1964-1985) e para lá eram encaminhados presos tidos como líderes dos grupos de resistência à ditadura.
O número de pessoas que morreram na Casa da Morte é desconhecido, mas as estimativas são de pelo menos 20 vítimas. Com vida, apenas uma presa saiu: Inês Etienne Romeu, militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), hoje com 72 anos. Torturada e presa por 96 dias em 1971, Inês relatou em 1979 os abusos sofridos.
Na ocasião, teve especial destaque em seu relato a atuação de Lima na Casa da Morte. Segundo ela, o soldado a estuprou duas vezes enquanto esteve encarcerada. Na época, ela disse que o autor dos abusos se chamaria "Wantuir" ou "Wantuil", e que seu apelido era Camarão.
Lima --ou Camarão--, é do Ceará, mas continuou vivendo no Estado do Rio mesmo após a desativação do CIE, que operou entre 1971 e 1974. Desde o início de 2014, ele tinha conhecimento de que o Ministério Público Federal e a Comissão Estadual da Verdade estavam em seu encalço.
Os investigadores obtiveram então informações de que Lima viveria no município de Araruama (RJ). Antes que fosse possível chegar até ele, o militar deixou a cidade e fugiu para o Nordeste.
"Conseguimos localizá-lo em Araruama e ele percebeu que estava sendo alvo das atenções do MPF e nossas, o que o fez parar no Ceará. Vamos tentar muito ouvi-lo", afirmou Wadih Damous.
Lima era homem de confiança do principal responsável pela Casa da Morte, o tenente-coronel Paulo Malhães, que morreu durante um assalto em abril deste ano. Responsável por implementar o CIE, Malhães assumiu em entrevistas e depoimentos as violações aos direitos humanos que ocorreram em Petrópolis.
Folha, 12.11.2014.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

CLÓVIS ROSSI: A verdade e suas versões

Brasil deveria imitar a Itália e divulgar todos os documentos disponíveis sobre os anos de chumbo
A melhor definição de reportagem que conheço pertence a Carl Bernstein, um dos dois repórteres do "Washington Post" que desvendaram o caso Watergate e, com isso, levaram à renúncia do presidente Richard Nixon.
Em palestra na USP, Bernstein a definiu como "a melhor versão da verdade possível de se obter".
É isso. Começa por duvidar implicitamente que exista uma VERDADE, assim maiúscula e incontrovertida. E continua por propor um exaustivo trabalho para chegar o mais perto possível de uma versão verossímil.
Se essa definição é correta, as comissões da verdade instaladas no Brasil estão com um problema: em vez de chegarem à melhor versão da verdade possível de se obter sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, chegaram a duas "verdades", diametralmente opostas, o que significa que uma delas é necessariamente falsa.
Para a Comissão Nacional da Verdade, JK foi vítima de um acidente. Para a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, foi assassinado.
Acredito na boa fé de ambas as comissões, o que me leva a crer que as conclusões opostas se deveram à dificuldade de se apurar os fatos depois de tantos anos decorridos (Juscelino morreu em agosto de 1976, há 38 anos).
O acidente é a versão mais anticlimática. Mais sedutora era a hipótese de um conjunto de crimes que teriam vitimado os três líderes civis que, àquela altura, se uniam contra a ditadura: João Goulart morreu em dezembro de 76, apenas quatro meses depois de JK, enquanto Carlos Lacerda morreu em maio de 1977.
Ou seja, em nove meses, desapareceram os principais nomes políticos e não-revolucionários da oposição ao regime.
Tentador, por isso, concluir que foram todos vítimas de um complô sinistro. As diferentes conclusões sobre o caso JK só contribuirão para manter no ar a teoria conspiratória, mais fascinante que mortes naturais ou por acidente.
É por isso que se torna ainda mais necessário que o Estado brasileiro copie decisão desta semana do novo governo italiano, que decidiu desclassificar todos os documentos relativos a uma série de atentados nos anos de chumbo, entre 1969 e 1984. Ou seja, são acontecimentos mais ou menos contemporâneos às mortes de Juscelino, Goulart e Lacerda.
Quem não quer ou não gosta da verdade pode até argumentar que, na Itália, é mais fácil abrir os arquivos porque o terrorismo era de particulares (a extrema direita e a Máfia), enquanto no Brasil o próprio Estado praticou terrorismo.
Na Itália, os documentos a serem liberados referem-se a oito grandes atentados, como a matança da estação ferroviária de Bolonha (tradicional feudo comunista), em que morreram 85 pessoas; e o massacre de Ustica, a derrubada, aparentemente por um míssil, de um avião comercial que fazia o trajeto Bolonha/Palermo, com 81 passageiros a bordo, ambos em 1980.
Tanto no Brasil como na Itália, só a liberação dos arquivos permitiria chegar à verdade, que é sempre melhor do que versões, ainda mais quando são conflitantes. Folha, 24.04.2014.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Tiro no pé: Por que rever a Lei da Anistia é um erro

ALFREDO SIRKIS -  06/04/2014  02h58

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RESUMO Julgamento de crimes cometidos pelo Estado ocupa centro do debate nos 50 anos do golpe no Brasil. Para deputado e ex-guerrilheiro, é improvável e incongruente levar à prisão "militares de pijama" por fatos daquela época quando foco deveria ser fazer cessar a tortura, vigente desde antes do regime militar e ainda existente.
*
Foi francamente irônico o resultado da recente pesquisa do Datafolha sobre a Lei da Anistia. Há uma maioria favorável a revê-la para poder julgar os torturadores e uma maioria, maior ainda, para rejulgar a nós, ex-guerrilheiros pelas ações que cometemos.
Por um instante me vi, com meus 63 anos, no tribunal, respondendo pelos dois sequestros de embaixadores dos quais participei, aos 19, e que propiciaram a libertação de 110 presos políticos, alguns eventualmente destinados à Casa da Morte. Na época fui condenado duas vezes à prisão perpétua (com mais 30 anos de lambuja para a encarnação subsequente) pelas auditorias militares.
Costumo dizer que, daquilo tudo, não me orgulho nem me envergonho. Mas já tive pesadelos horrendos: a organização me ordena a executar o embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher -um sujeito boa-praça que não gostava da ditadura- porque tinham se recusado a libertar todos nossos presos. Tenho uma pistola na mão, mas não quero me tornar um assassino. Acordo coberto de suor frio.
Graças a Deus, aquilo terminou bem, e nossos 70 companheiros foram mandados a Santiago do Chile porque consegui convencer nosso comandante, Carlos Lamarca, a aceitar a recusa de alguns dos presos "estratégicos" e negociar a sua substituição por outros que a ditadura Médici aceitava soltar. Hoje vejo num sequestro desse tipo, de um diplomata inocente, ameaçado de execução, mesmo sob uma ditadura, um ato no limite do terrorismo, no que pese o nosso desespero de então. Em alguns casos, esse limite foi ultrapassado. Penso no marinheiro inglês metralhado na praça Mauá, na bomba de Guararapes ou na execução daquele militante que queria deixar uma organização.
BALANÇA
É possível equiparar esse punhado de atos criminosos à tortura generalizada, institucionalizada, sancionada desde o nível presidencial que se abateu não apenas sobre nós, resistentes armados, como sobre opositores sem violência, como no caso do PCB, e milhares de "simpatizantes" e outros, presos por equívoco?
Claro que não; mas essa anistia "recíproca" foi resultado de uma correlação de forças dos idos de 1979, um acordo político que permitiu a libertação dos presos e nossa volta do exílio.
O primeiro problema de rever essa lei para poder julgá-los, 40 e tantos anos depois dos fatos, é a repercussão sobre outros complicados processos de redemocratização pelo mundo afora. Frequentemente, para remover um regime de força, é preciso pactuar com os que ainda ocupam o poder e ainda têm enorme capacidade de fazer dano.
As torturas e execuções na África do Sul e na Espanha não foram menores do que no Brasil -é o mínimo que se pode dizer- mas lá a opção foi não colocar os antigos repressores nos bancos de réus.
Na África do Sul, a lógica da Comissão da Verdade foi reconstituir os fatos e obter dos responsáveis pelo odioso apartheid a confissão, não com vistas à condenação penal, mas à expiação moral e a superação conjunta de tudo aquilo. Também foram colocados na mesa para uma catarse de superação coletiva certos episódios sangrentos dentro da maioria negra.
Confesso que senti satisfação ao ver o general Jorge Rafael Videla terminar a vida numa prisão argentina. Penso, no entanto, que a razão decisiva para julgar (uma parte) dos comandantes daquele regime assassino foi o prosseguimento das conspirações militares já no período democrático, com quarteladas durante os governos de Raul Alfonsín e Carlos Menem.
No Chile, alguns poucos foram julgados, mas o general Augusto Pinochet Ugarte continuou comandando o Exército por um bom tempo na transição e só sofreu embaraço jurídico no Reino Unido, jamais no Chile.
Não há uma formula única, "correta". No que pese o sentimento de busca de justiça das vítimas e seus familiares -que respeito profundamente, à diferença daqueles que querem apenas surfar politicamente na causa- trata-se de uma decisão jurídica, por um lado, e de uma questão política, por outro. Juridicamente, o STF já se pronunciou a esse respeito. Politicamente, vejo a revisão como contraproducente e concordo plenamente com a presidente Dilma Rousseff quando se manifesta contrária à anulação da anistia.
NARRATIVAS
Desde os anos 80, vem prevalecendo, grosso modo, a narrativa da esquerda sobre os "anos de chumbo". Os verdugos dos porões do DOI-Codi viveram vidas existencialmente miseráveis. Uma parte, desproporcional, já morreu de morte morrida; outros tornaram-se criminosos comuns, bicheiros, contrabandistas.
No estamento militar há um sentimento geral de condenação àquela máquina de torturas e execuções -que acabaram inclusive atentando fortemente contra a hierarquia militar e sujando a imagem das Forças Armadas-, embora sem nenhuma propensão a aceitar a narrativa da esquerda. Não iremos convencer os militares a adotar, agora, um maniqueísmo reverso ao deles, na época.
Por todo ordenamento jurídico brasileiro, hoje seria totalmente impossível -a não ser que se viesse a adotar toda uma nova legislação de exceção- condenar esses militares de pijama, na maioria septuagenários ou octogenários, a servir penas na prisão.
Num país onde assassinos abjetos como os que torturaram e mataram o jornalista Tim Lopes saem da prisão por "progressão de pena" em quatro ou cinco anos, fazer um ex-general ou coronel do DOI-Codi ir para a cadeia por crimes cometidos há mais de 40 anos é improvável e incongruente.
Qual o risco político de coloca-los agora no banco do réus?

Tendo prevalecido a nossa narrativa, desde os anos 1980, seria da lógica jornalística agora ouvir a deles, desde o palco e holofotes que agora lhes estão sendo propiciados. Alguns se arrependem. Qual a sinceridade disso? Há os que assumem friamente seus crimes, e aí temos a novidade, o gancho para difundir sua contranarrativa: "Isso mesmo, torturei, cortei dedos, matei, joguei no rio, no mar e daí? Guerra é guerra".
Se há uma maioria de brasileiros que fica compreensivelmente horrorizada, há uma minoria que se identifica e se sente reconfortada em ver, afinal, sua "verdade" difundida agora com todas as letras. "Levanta-se a bola" para figuras como Ustra ou Malhães, propicia-se farta cobertura de mídia para que eles se comuniquem com uma extrema-direita desorganizada, difusa, mas real. Ganham espaço para bulir com aquele sentimento que leva o público do primeiro "Tropa de Elite" -quando José Padilha ainda não pagara tributo ao politicamente correto- a aplaudir as torturas infligidas ao traficante com um saco plástico.
A prioridade no Brasil, em relação à tortura, não é tentar, inutilmente, mediante a revisão da anistia, colocar na cadeia um ou outro torturador do DOI-Codi dos anos 1970, mas fazer cessar aquela tortura que continua ocorrendo hoje, agora, a todo momento, em dezenas de delegacias de roubos e furtos ou destacamentos de policiamento ostensivo, contra marginais pobres e negros.
Aquela velha tortura de sempre, de antes e de depois do Estado Novo e do regime militar, quando ela foi, excepcionalmente, infligida também à classe média intelectualizada e politizada.
Nesse sentido, apesar de todos os bons e altivos argumentos e da justificada indignação de quem sofreu e gostaria de ver punidos aqueles criminosos, a revisão da "anistia recíproca" de 1979 é um erro político cujo maior problema é, na prática, dar uma segunda chance e propiciar um público renovado para uma narrativa que já enterramos nos anos 1980. É, no fundo, um tiro no pé.
ALFREDO SIRKIS, 63, é autor de "Os Carbonários" (Record) e deputado federal pelo PSB-RJ. 

Folha, 06.04.2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

HÁ 50 ANOS General Kruel é cogitado para ocupar a Presidência da República 8.abr.1964


DO BANCO DE DADOS - O nome do general Amaury Kruel passou a ser cogitado ontem para ocupar a Presidência. Ao mesmo tempo em que os senadores Arthur Virgílio e José Ermírio de Moraes iniciaram em Brasília a articulação do nome do comandante do 2º Exército, no Rio um grupo de generais propuseram que Kruel concorresse ao pleito.
O senador Lino de Matos deve apresentar a Kruel uma lista de 25 senadores e 100 deputados que o apoiam.Kruel esteve ontem no Rio em reunião com os generais Arthur da Costa e Silva e Humberto de Alencar Castello Branco. A seguir, falaram com o presidente Ranieri Mazzilli.
Folha, 08.04.2014

Amaury Kruel vendeu o Presidente João Goulart e traiu não por ideologia, mas por dólares.



O Instituto Presidente João Goulart, através de João Vicente Goulart, recebe a denúncia do então Major do Exército Erimá Pinheiro Moreira, esclarecendo em detalhes os motivos que levaram o general Kruel, que era amigo do Presidente João Goulart, mudar de posição em menos de 12h. 

Mineiro de Alvinópolis, Erimá Pinheiro Moreira, hoje com 94 anos e anistiado como Tenente Coronel Farmacêutico, servia no Hospital Geral de São Paulo em 31 de março de 1964 sob as ordens do então comandante do II Exército, General Amaury Kruel. Paralelamente, Erimá era proprietário de um laboratório farmacêutico particular, próximo ao hospital e a sede da FIESP. 

Para aqueles que ainda imaginam terem os golpistas civis e militares agido por idealismo, este corajoso depoimento revela em detalhes o que aconteceu naquele dia trágico para a democracia brasileira.
Fonte: http://www.institutojoaogoulart.org.br/video.php?id=254
www.abraao.com

Comissão aponta 17 centros clandestinos usados na ditadura: Relatório mostra que Forças Armadas usaram casas e sítios para torturar e desaparecer com corpos de presos

Pelo menos dois dos centros foram usados para cooptar e pagar militantes de esquerda por informações
LUCAS FERRAZDE SÃO PAULO
A Comissão Nacional da Verdade apresentou ontem um estudo que aponta 17 centros clandestinos utilizados em todo o país pelas Forças Armadas na ditadura (1964-85) para torturar presos e desaparecer com os corpos dos militantes executados.
Elaborado pela historiadora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Heloísa Starling, assessora do grupo, o relatório, ainda preliminar, afirma que a criação e o funcionamento desses centros faziam parte da política de enfrentamento dos militares contra os opositores.
Eles eram montados em casas, apartamentos, sítios e fazendas com a participação de militares e, em alguns casos, policiais que atuavam na repressão. A maioria dos imóveis era emprestado por empresários amigos do regime.
De acordo com o organograma apresentado pela comissão, todos os centros clandestinos eram de conhecimento dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Além dos presos que morreram nos locais, o relatório identifica os agentes da repressão que atuaram em cada um deles.
"Os centros não eram autônomos, subterrâneos ou controlados por paramilitares, como podem sugerir alguns, mas faziam parte da estrutura de inteligência e repressão da ditadura", afirmou Heloísa Starling.
O centro mais famoso foi a Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), que operou entre 1971 e 74. Pelo menos 14 militantes morreram no local. A única sobrevivente é Inês Etienne Romeu, que passou por lá entre maio e agosto de 1971.
Na zona sul de São Paulo, a Fazenda 31 de Março era mantida por militares e policiais. Na propriedade, em 1970, morreu sob tortura Joaquim Câmara Ferreira, à época o mais importante nome da esquerda armada.
No Pará, durante a campanha do Exército no combate à guerrilha do Araguaia, pelo menos 24 guerrilheiros foram executados, depois de presos, na Casa Azul. Os restos mortais deles nunca foram encontrados.
Além de ocultar a prisão de opositores, os centros eram usados para sessões de tortura, execuções e esquartejamentos, forma de tentar impedir a identificação futura dos corpos, conforme relatou à comissão um ex-militar.
Mas as casas clandestinas também eram usadas para cooptar militantes de esquerda e transformá-los em infiltrados dentro das próprias organizações. O relatório aponta uma casa no bairro do Ipiranga, em São Paulo, e um apartamento na área central de Brasília montados com essa finalidade.
De acordo com o estudo, os informantes da esquerda (chamados de "cachorros") frequentavam os centros para passar informações, receber instruções dos agentes e apanhar o dinheiro que recebiam pelos serviços.
Folha, 08.04.2014

quarta-feira, 2 de abril de 2014

A ditadura venceu


01/04/2014  03h00

Hoje é o dia que marca, afinal, os 50 anos do golpe militar ocorrido em 1º de abril de 1964. Durante as últimas semanas, a sociedade brasileira foi obrigada a ler afirmações de personagens como o senhor Leônidas Pires Gonçalves, primeiro ministro do Exército pós-ditadura, insultando o país ao dizer que: "a revolução (sic) não matou ninguém" e que ela teria sido uma necessidade histórica.
Antes, correntistas do banco Itaú, uma instituição tão organicamente ligada à ditadura que teve um de seus donos, o senhor Olavo Setúbal, nomeado prefeito biônico da cidade de São Paulo, receberam uma singela agenda onde se lia que o dia de hoje seria o aniversário da dita "revolução". Ninguém, nem nas Forças Armadas nem no setor empresarial que tramou e alimentou o golpe teve a dignidade de pedir à sociedade perdão por um regime que destruiu o país.
É claro que ainda hoje há os que procuram minimizar a ditadura afirmando que ela foi responsável por conquistas econômicas relevantes. Raciocínio semelhante foi, por um tempo, utilizado no Chile.
Tanto em um caso quanto no outro esse raciocínio é falso. A inflação brasileira em 1963 era de 78%. Vinte anos depois, em 1983, era de 239%. O endividamento chegou, ao final da ditadura, a US$ 100 bilhões, legando um país de economia completamente cartelizada, que se transformara na terceira nação mais desigual do mundo e cujas decisões eram tomadas não pelo ministro da economia, mas pelos tecnocratas do Fundo Monetário Internacional chefiados pela senhora Ana Maria Jul. A concentração e a desigualdade se acentuaram, o êxodo rural destruiu nossas cidades, a educação pública foi destroçada, a começar por nossas universidades.
Mas o maior exemplo desse revisionismo histórico encontra-se na crença, de 68% da população brasileira, de que aquele era um período de menos corrupção. Alguém deveria enviar para cada uma dessas pessoas os dossiês de casos como: Coroa-Brastel, Capemi, Projeto Jari, Luftalla, Banco Econômico, Transamazônica e Paulipetro.
Tudo isso apenas demonstra o fracasso que foi, até agora, o dever de memória sobre a ditadura.
Mas o que poderíamos esperar de governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, cujos fiadores eram Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, e de Luiz Inácio Lula da Silva/Dilma Rousseff, que tem em José Sarney um de seus pilares e em Antonio Delfim Netto um de seus principais conselheiros?
Como esperar uma verdadeira política contra a ditadura de governos que dependem de figuras vindas diretamente da ditadura?

Foi assim, de maneira silenciosa, que a ditadura venceu. 


Folha, 01.04.2014


vladimir safatle
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças.